Por Eliane José, O Diário
Está muito quente? Imagine o que sente a flor. E o pé de fruta? Há algum tempo, paisagistas, jardineiros e colecionadores de flores, plantas ornamentais e árvores frutíferas começaram a observar mudanças no ciclo de vida das flores e das frutas, cultivadas em quintais e varandas.
O fenômeno tem sido creditado às mudanças da temperatura mundial e ao impacto da destruição dos recursos naturais – num efeito dominó, quanto menos água e florestas naturais, menos espécies como as abelhas e beija-flores, e mais pragas.
Mudanças no regime das chuvas, do frio e do calor estão antecipando em semanas o período de floração e de colheita. Nos frutos, a qualidade, o sabor e o tamanho deles estão diferentes.
“Imagine o que acontece num calorão desses com uma planta, que fica 100% exposta ao sol, nos jardins, e não pode ir para dentro de casa à noite, como nós, e se valer do ventilador ou do ar-condicionado”, compara o arquiteto Miguel Campanelli, há 41 anos à frente da empresa de paisagismo com o sobrenome familiar.
Campanelli começou a trabalhar como jardinista. “Sou do tempo que Mogi das Cruzes tinha dois meses de frio, com neblina durante boa parte da manhã, baixíssimas temperaturas, céu fechado durante todo o dia. Hoje isso não existe mais. Em novembro do ano passado mesmo, nós tivemos quedas na temperatura que impressionaram”, comentou.
Além das incertezas climáticas, a destruição da camada de ozônio também responde pelo fim dos recursos naturais e pelas confusões que tornaram a meteorologia uma ciência popular. “Os estudos dizem que a natureza será diferente dentro em 20 anos, se o homem não adotar medidas urgentes para a preservação desses bens, como a água”, reforma.
Um reflexo direto está na região rural de Mogi das Cruzes. “Você nota o crescimento das estufas para manutenção da temperatura que dê condições para a produção agrícola. O problema é que com uma árvore ou uma flor no jardim, na casa das pessoas, isso não seria viável”.Ao florir mais cedo, ou com atraso, as espécies externam o estresse biológico gerado pelos destemperos climáticos, por sua vez, resultantes da redução dos recursos naturais, como florestas e nascentes.
No fechamento desse ciclo, a natureza muda e vai se adaptando às condições de vida nesses novos (e quentes) dias.“Se o homem não deter a destruição ambiental, dentro de 20 anos, diz a ciência, terá de procurar um outro planeta para viver”, conclui Campanelli.
Questionado se, a seguir os passos atuais, com o crescimento das cidades sem o plantio de áreas de verdes e gestores públicos em cargos decisórios, como a presidência de países, confrontando o que dizem os cientistas sobre a elevação da temperatura da terra, haverá tempo para isso, o paisagista, pensa um pouco e responde: “Será preciso acelerar esse processo de preservação, com ações como o reuso, por exemplo, da água desperdiçada da chuva, a redução do consumo de energia elétrica e a conscientização das pessoas”.
Jabuticaba
O mineiro Maurílio Ramos cuida de jardins há mais de 40 anos e também nota a antecipação da florada e as mudanças no vigor de espécies não encontradas com frequência em Mogi das Cruzes. Ele cita, como exemplo, a jabuticaba, que passou a frutificar com mais constância por aqui. No cultivo de flores, o jardineiro de 69 anos e com um ritmo menor de trabalho, acompanha certas mudanças. “A flor-de-maio é uma (espécie) que tem dado em junho e julho, mas ainda não vejo uma diferença muito grande porque a flor vai crescer, dependendo dos cuidados que recebe. Já a azaleia fica bem por causa do sol”.
Ramos comenta outro aspecto desses tempos de quentura. “A jabuticaba, que neste mês está perdendo as folhas, passou a ser mais comum em Mogi. No passado, por causa do frio, não era assim”.A professora de espanhol, Rosa Salinas, acompanha esse processo há anos. Ela possui uma videira e um pé de jabuticaba, esse último, plantado em um vaso. A poda da uva foi feita em julho, como sempre. A planta brotou no final de agosto, mas com lentidão, por causa do calor daquele mês. Em outubro, chegou a pensar que colheria poucos cachos.
“A videira precisa do frio para se mexer, como dizia o meu pai, para brotar”, conta. Como resultado, nesse ano, ela sentiu a redução do número de cachos e, ao invés da uva amadurecer em dezembro, apenas agora, quase no final de janeiro, Rosa fez a colheita da espécie.
Já a jabuticabeira, por causa do sol e da rega mais constante, deu safra recorde, e está mais doce. “Já estou na terceira colheita”, diz Rosa, que cuida de um jardim, em um espaço pequeno, na casa onde os pais viveram, na Avenida São Paulo. Ali, ela possui antúrios e espécies tratadas com zelo, há décadas, como a rosa, amarela, um presente de uma aluna dos tempos do Mobral. “Eu ganhei a muda, em 1971, por aí, e nesses últimos anos, ela tem florido muito”.
Produtores mudam estratégias de venda
Produtores de flores também começam a mudar estratégias de venda no varejo em resposta aos reflexos da alta da temperatura e do regime da chuva. Márcia Mitiko Fuji Kurogi, responsável pelo setor administrativo do Orquidário Oriental, localizado no bairro do Taboão, e também produtora de goiaba, pêssego e maracujá, detalha isso.
Em maio, para o Dia das Mães, têm acontecido de o mercado não poder contar com determinadas espécies, que estão florindo mais cedo. “Estão sendo feitos estudos e mudanças no plantio, e também começamos a investir na venda de vasos com um tamanho da planta menor, para atender ao cliente nesse período”, comentou.
No caso das orquídeas, o calorão pesa positivamente porque a espécie gosta de temperaturas mais altas, porém, ela também requer umidade. Uma das vedetes do momento, a vanda, segundo conta Márcia, pode florir até três vezes ao ano. “No caso das orquídeas, o calor é bom, mas não deixam de ser preocupantes as mudanças clímáticas que estão acabando com as abelhas na natureza”, diz.
Monitorar a fase do crescimento passa a ser um desafio, em especial, se a temperatura na terra seguir em alta e indefinível. Para a venda, é preciso que a flor siga em botão para o destino final, e, se o botão abre antes do tempo, perde valor.Márcia possui uma propriedade em Santa Isabel, com 60 pés de goiaba, e outras frutas. Ela afirma que o manejo de poda e adubação está mudando porque a alta temperatura antecipa as fases da vida da planta e a qualidade do fruto. “O produtor, então, tem que tomar os cuidados, como a poda em diferentes épocas, para o fruto não amadurecer antes do tempo e complicar a venda”.
É tempo de adubar
É nesse período do ano, entre outubro e dezembro, que muitas espécies perdem as folhas, para se prepararam para as próximas estações e os ciclos que virão. Com o calor em alta, deve crescer a atenção aos cuidados com a rega e a prevenção de doenças (veja duas dicas para proteger as plantas de fungos e doenças). Ou seja, a adubação e os cuidados nesse período vão determinar a saúde da planta nos meses seguintes. Outra dica é molhar no início da manhã, ou ao final do dia.
Veja duas soluções sugeridas para combater os fungos, dada pelo arquiteto Miguel Campanelli:
Receita de inseticida natural
1º passo
Faça a solução de fumo de corda:
Ingredientes:
50 gramas de fumo picado.
400 ml de álcool.
250 ml de água.
Uma garrafa de vidro.
Um coador.
Um funil.
Modo de preparo:
1 – Coloque o fumo e o álcool em uma garrafa de vidro e deixe descansar por 24 horas.
2 – Adicione a água e deixe em repouso por mais três dias.
3 – Coe a solução pronta, utilizando um coador e um funil.
2º passo
Prepare a calda de fumo com sabão:
Ingredientes:
250 ml de água quente.
Meio sabão picado, do tipo neutro, em barra.
Solução de fumo de corda (feita anteriormente)
Modo de preparo:
1 – Coloque o sabão picado em um recipiente e dissolva-o em água quente.
2 – Acrescente essa mistura à solução de fumo de corda (feita anteriormente).
3 – Armazene tudo em uma garrafa de vidro com identificação.
4 – Aplique uma vez por semana nas folhas, utilizando um pulverizador. Caso a infestação seja muito intensa, aplique com maior frequência.